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Horta terapêutica: possibilidades de reabilitação da saúde mental

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Diversos são os motivos pelos quais o ser humano padece de transtornos da psique, dentre os quais, podemos citar: as transformações no mundo do trabalho (precarização das relações laborais, contratos temporários, sobrecarga de trabalho, metas abusivas, insegurança em relação ao contrato de trabalho/emprego), as desigualdades sociais, o endividamento financeiro das famílias, o desemprego, as pressões culturais (que hoje em dia, com o advento das redes sociais e a cultura da hiperprodutividade e da performance tem aumentado os casos de exaustão emocional e insatisfação), a violência urbana, o isolamento social, etc.

 

Diante de tais situações, muitas pessoas se entregam a determinados vícios, que incluem substâncias lícitas e ilícitas, tais como crack, cocaína, maconha, LSD, álcool, medicamentos psicotrópicos e outros. Assim, a tentativa pela busca por fugas para a superação dos problemas e sentimentos deterioram a saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entende-se por boa Saúde Mental o estado de bem-estar quando o indivíduo tem a possibilidade de desenvolver suas habilidades pessoais para responder aos desafios da vida e contribuir com a comunidade. Ela não se limita apenas ao que sentimos individualmente; é uma rede de fatores relacionados, que podem ser exemplificados pelo equilíbrio hormonal, sono de qualidade, alimentação equilibrada, atividade física regular, predisposições genéticas, autoestima, capacidade de enfrentamentos de dificuldades, rede de apoio, ambientes de trabalho saudáveis, políticas públicas efetivas, condições dignas de trabalho e renda, expressões artísticas e culturais, contato com a natureza, dentre outros.

 

Além dos aspectos individuais, de acordo com o Ministério da Saúde, a saúde mental é também determinada pelos aspectos sociais, ambientais e econômicos (Brasil, 2025). Para o tratamento de problemas que afetam a saúde psíquica, há espaços específicos, dentre os quais e mais conhecidos estão os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), que são referência na área e que oferecem serviços públicos de saúde abertos para a comunidade. Em tais espaços, normalmente, atua uma equipe de profissionais de formação multidisciplinar que inclui enfermeiros, psicólogos, terapeuta ocupacional, médico clínico geral, psiquiatra e farmacêutico, que trabalham conjuntamente para atender às necessidades das pessoas com problemas de saúde mental, incluindo aquelas que enfrentam dificuldades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas.

 

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) estão presentes em todo o território brasileiro, em diferentes modalidades, para atender a saúde mental: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi, CAPS AD (álcool e drogas). Os critérios para a implantação do serviço no município estão vinculados à política de saúde mental, processo complexo que envolve a análise da necessidade local, a aprovação em instâncias de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e o cumprimento de critérios técnicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

 

Dentre os muitos serviços ofertados nos CAPS, as oficinas terapêuticas, como reflexo da reconfiguração da assistência em saúde mental proporcionada pela Reforma Psiquiátrica Brasileira, se tornaram, gradativamente, um dos principais dispositivos de tratamento nestes centros. Elas são estratégias de tratamento voltadas à promoção da saúde mental e à reinserção social de pessoas com transtornos psíquicos. Seus objetivos incluem fortalecer a autoestima, promover a inclusão social, melhorar a qualidade de vida e desenvolver habilidades (Brasil, 2025).

 

Dentro das possibilidades ofertadas nas oficinas terapêuticas, destacam-se as Hortas Terapêuticas (também conhecidas como hortoterapias), cuja prática é recomendada pelo Ministério da Saúde. Primeiramente, ocorre por meio de uma oficina que oferece aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) espaços de acolhimento, convivência e cuidado, onde atividades relacionadas ao cultivo de plantas são usadas como parte do tratamento psicológico. Através do contato com a natureza, os usuários são incentivados a desenvolver habilidades diversas, inclusive emocionais, o que contribui para o aumento da autoestima, a promoção do autocuidado e a redução dos sintomas de ansiedade e estresse, visto que atividades manuais repetitivas favorecem a concentração e o estado de presença, reduzindo os pensamentos obsessivos.

 

Além disso, a horta funciona como um espaço ou ambiente de socialização, no qual os usuários podem interagir com seus pares e equipe, fortalecendo vínculos e construindo redes de apoio. Um dos principais benefícios da horta é a sua contribuição para a adesão ao tratamento, pois os usuários devem comparecer regularmente, conforme prescrito para a manutenção da horta, e este envolvimento ativo nas atividades proporciona sensações de propósito e pertencimento. Ao ver o resultado do próprio trabalho de plantar, cultivar e colher, o usuário percebe que seu trabalho tem valor, principalmente coletivo, o que combate o estigma e a exclusão social. Os usuários sentem-se mais motivados a comparecer ao serviço em virtude da rotina de trabalhar na horta, que transforma o espaço em um local acolhedor e terapêutico.

 

As práticas realizadas no ambiente das hortas podem favorecer o desenvolvimento de várias habilidades, entre as quais, a melhora da memória e da atenção e o desenvolvimento e reabilitação psicomotoras e de coordenação fina, que podem ser levadas para a vida cotidiana, gerando maior autonomia e confiança nos participantes. Com o foco na atenção integral e no cuidado psicossocial, a horta terapêutica demonstra ser uma estratégia interessante e eficaz para a recuperação e a melhoria da qualidade de vida dos usuários do CAPS, fortalecendo o protagonismo e o engajamento deles no processo de tratamento (Fiocruz, 2023).

 

Diante da complexidade da saúde mental e do uso de substâncias psicoativas, é fundamental reconhecer a importância de abordagens terapêuticas simples, integradas, humanizadas e inovadoras, visto que tais abordagens melhoram os resultados do tratamento e proporcionam menores riscos de recaídas, o que leva a uma recuperação mais eficaz e sustentável a longo prazo. Os CAPS, como principais equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), representam um avanço significativo na forma de acolher, cuidar, acompanhar e promover o bem-estar continuamente aos usuários.

 

A horta terapêutica, mais do que uma simples atividade ocupacional, se apresenta como uma ferramenta de reabilitação psicossocial, unindo cuidado, convivência e interação social e com a natureza. Além disso, essa prática incentiva a autonomia, promove a autoestima e pertencimento e contribui de forma concreta para a reabilitação dos usuários. Assim, reforça-se a necessidade de ampliar e valorizar iniciativas que colocam a pessoa no centro do processo do cuidado, respeitando sua singularidade e fortalecendo a participação ativa no processo de tratamento e inclusão social.

 

Como exemplo, podemos citar a horta terapêutica do Centro de Atenção Psicossocial “Caminho de Luz”, de Canoinhas-SC (foto a seguir), que conta com um espaço amplo e apoio técnico, onde os pacientes podem desenvolver as atividades de forma plena e assistida. Neste espaço, são cultivados diversos vegetais, como alface, brócolis, couve-flor, beterraba, couve e ervas medicinais, dentre outros. Os pacientes direcionados a esta terapia apresentam, normalmente, estabilidade do seu quadro de saúde mental, o abandono parcial e até total da dependência do álcool, e esta recuperação significa melhoria na capacidade de gerir suas vidas.

 

 

Fonte: Centro de Atenção Psicossocial Caminho de Luz. Autora: Amanda Slabadack, 2025.

 

Referências

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Centros de Atenção Psicossocial e Unidades de Acolhimento como lugares da atenção psicossocial nos territórios: orientações para elaboração de projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de UA. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 44 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/centros_atencao_psicossocial_unidades_acolhimento.pdf.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Centros de Atenção Psicossocial. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/desmad/raps/caps. Acesso em: 23 out. 2025.

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde mental. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-mental. Acesso em: 23 out. 2025.

 

FIOCRUZ. Nós na Rede. Horta terapêutica: um espaço de cuidado integral. 2023. Disponível em: https://brasilia.fiocruz.br/nosnarede/mostra-de-experiencias/horta-terapeutica-um-espaco-de-cuidado-integral/

 

Autores:

 

Amanda Slabadack – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional; Universidade do Contestado (UNC). E-mail: amanda_slabadack@hotmail.com

 

Barbara Ribeiro da Silva – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional; Universidade do Contestado (UNC). E-mail: barbarabrs@gmaill.com

 

Cleverson Kalil de Souza – Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional; Universidade do Contestado (UNC). Santa Catarina, Brasil. E-mail: cleversonkalil@gmail.com

 

Jairo Marchesan – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental (UNC); Líder do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente e Sociedade (MAS/UNC) Universidade do Contestado (UNC). E-mail: jairo@unc.br

 

 

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Equipe A Gazeta Tresbarrense
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