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Grandeza e miséria de uma fortuna: Rama X, Rama IX e a Dinastia Chakri na Tailândia

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Por: Graciela Marcia Fochi

 

O sistema de governo que vigora na Tailândia é o da monarquia constitucionalista, onde o primeiro ministro é o chefe do governo e o monarca, é o chefe de Estado. O monarca em exercício é Maha Vajiralongkorn (1952-), o Rama X. Rama X foi nomeado príncipe herdeiro no ano de 1972, com 20 anos de idade, foi empossado como rei no ano de 2016, quando do falecimento de seu pai, Rama IX, O Grande. Rama X é único filho homem do rei Bhumibol Adulyadej (1927-2016).Tanto Rama X, como Rama IX descendem da Dinastia Chakri, que foi instituída ainda no ano de 1782, no século XVIII, por Buda Yodfa Chulalok (1737-1809), Rama I, também O Grande.

 

O pai, Rama IX, governou a Tailândia entre os anos de 1946 e 2016, reinado que se estendeu por 70 anos, um dos mais longos da história da humanidade. Ainda quando vivo já possuía um patrimônio notável, de aproximadamente 35 bilhões de dólares. Que, conforme foi declarado, foi obtido por meio de ações em uma empresa de fabricação de cimento e de atividades financeiras junto ao banco Siamm Commercial. Rama IX utilizou parte de sua fortuna para financiar cerca de 3 mil projetos de desenvolvimento local, principalmente nas regiões rurais da Tailândia e chegou ao final da vida com um montante de 36 mil imóveis só na cidade de Bangkock.

 

Em 2025, sob a égide de Rama X, o patrimônio da realeza foi avaliado em um montante de aproximadamente 230 bilhões de dólares, que é constituído por bens imóveis, propriedades de terra, investimentos na indústria convencional, setores estratégicos de energia e telecomunicações; assim como do acúmulo de inúmeros bens de luxo como joias, automóveis, embarcações, aeronaves entre outros.

 

É necessário dizer ainda que a fortuna contou e conta com condições auspiciosas de crescimento uma vez que, na Tailândia, vigora uma lei que isenta, das tributações oficiais, bens que sediam atividades e serviços do Estado, como o que ocorre com locais destinados a cerimônias e atividades religiosas. Bem, já ficou evidente que se trata de uma herança, de um legado de favorecimentos e privilégios de condições, estruturas, instituições, legislações que se estendem por mais de 200 anos.

 

Rama X desenvolveu estudos no Reino Unido e na Austrália, quando frequentou colégio militar. É declarado como Budista, a religião predominante na Tailândia. Contraiu 4 casamentos e gerou 7 filhos. Parte deles foram deserdados e se encontram exilados nos Estados Unidos da América, atuando como profissionais liberais. É neste contexto que surgem dúvidas no que diz respeito à futura sucessão do trono, uma vez que, ocorrem rumores de que, o filho que seria o príncipe herdeiro apresenta condições neuroatípicas e a filha mulher que haveria sido cogitada para ser nomeada como princesa herdeira, no ano de 2022 sofreu um problema de saúde e desde então se encontra em estado vegetativo.

 

Logo, a questão de sucessão monárquica da dinastia parece em aberto e assim é passível de inúmeras especulações. Outro aspecto está em que, a indicação do herdeiro do trono, necessariamente, precisa ser aprovada pelo governo. Recentemente o governo de Rama X enfrentou abalos políticos no governo, quando mudou 3 primeiros-ministros em apenas 3 dias. A constituição em vigor data do ano de 2017.

 

Rama X é seguidamente descrito como um ‘monarca ausente’, pois passa a maior parte do tempo na Alemanha, onde também estabeleceu moradia. A imprensa estrangeira, principalmente a europeia, costuma noticiar seus gastos como excessivos e extravagantes, de festas regadas com diversas concubinas, inclusive realizadas durante o período de quarentena, na pandemia do Covid-19.

 

Já a imprensa nacional, que é controlada pelo Estado, pratica uma espécie de censura para com notícias e reportagens que tendem a detratar o monarca e faz isso amparada na Lei de Lesa Majestade, que prevê punição com multas milionárias e até 35 anos de prisão para casos de ofensas à realeza.

 

A Tailândia desfrutou de uma certa condição peculiar entre os demais países do sudeste asiático pois, ao longo dos séculos, em especial durante as companhas de exploração e colonização empreendidas pelas nações europeias, o território do país foi tornado como que ‘neutro’, uma espécie de tampão, em meio a corrida e as disputas pela hegemonia da exploração nos territórios no entorno. Sendo assim sofreu pouca interferência colonial em seus aspectos políticos, religiosos e culturais. Por outro lado, é uma nação em que golpes de estado e ditaduras militares foram frequentes ao longo da trajetória política os quais, por sua vez encontraram e encontram resistência por parte da população.

 

O golpe de estado mais recente ocorreu no ano de 2014. A Frente Unida para a Democracia contra a Ditadura (UDD), cujos simpatizantes são chamados de ‘camisas vermelhas’, têm resistido liderando os principais atos contra os golpes e governos militares do país. No ano de 2020 foram registrados novos protestos por parte de jovens e estudantes que reivindicam reformas no regime monárquico e no governo militar.

 

Sobre a resposta do governo aos atos de protesto é necessário destacar que no ano de 1976 ocorreu o massacre na Universidade Thammasa, praticado contra jovens estudantes, onde foram registradas mais de 50 mortes e três mil prisões. No ano de 1992, ocorreu o Maio Sangrento (Maio Negro) no qual, em torno de 200 mil pessoas se manifestaram em protesto contra o governo e a repressão militar em vigor no país, que por sua vez foi rechaçado com muita violência, registrando mais de 50 mortos, diversos desaparecidos, centenas de feridos, detidos e torturados.

 

Considerando à trajetória da Dinastia Chakri em especial a de Rama IX e X – é claro, não se trata de uma história excepcional, a única até hoje conhecida na humanidade- e colocando a questão em outros termos, ouso apresentar algumas provocações que emergem na luz do pensamento poético de Bertold Brecth (1898- 1956), dramaturgo e poeta alemão, no poema “Perguntas de um operário que lê” e do escritor e poeta sírio Muhammad Al-Maghut (1934-2006), no poema “Sombra e Sol do Meio-dia”, dos quais precipitam-se algumas perguntas e problematizações, bem como algumas declarações e asserções:

 

O poeta alemão perguntaria: – Quem construiu Bangkok, a capital do país desde o ano de 1782?

 

Nos livros constam o nome de reis, da dinastia Chakri, o Rama I.

– Mas foram os reis que transportaram as pedras?!

– E a Estrada de Ferro Thai-Birmânia, com mais de 500 km, aberta no ano de 1943?

Diante do projeto da ferrovia, o poeta sírio proporciona a seguinte constatação: – Eles viajam e nós esperamos.

 

A rodovia também é conhecida como a Ferrovia da Morte, pois o projeto demandou o trabalho de mais de 180 mil trabalhadores e 100 mil presos de guerra, todos em condições análogas à escravidão. Sabe-se que mais de 90 mil trabalhadores morreram nesta obra.

 

– E as pessoas mortas e desaparecidas tanto nas obras dos governos como nas tentativas de resistência diante dos golpes de estado e ditaduras militares?!

 

A resposta do poeta sírio poderia ser: – Eles têm forcas. Nós temos pescoços.

 

– Os bens de Rama IX e X, por estarem isentos da cobrança de impostos, como as casas, os automóveis, os jatos, os iates, e lanchas de luxo talvez foram e são colocados à disposição e uso do Estado, do interesse público e da população tailandesa?!

 

O poeta sírio declararia: – Eles possuem a noite, o amanhecer, o sol da tarde e o dia. E nós possuímos pele e osso. Eles têm pérolas. E nós temos sardas e pintas. Seus dentes são brancos como arroz. Nossos dentes escuros como florestas desoladas.

 

E os festins, mesmo durante o período pandêmico, quem cozinhou? Quem pagou pelas despesas?

 

O poeta sírio asseveraria: – Nós plantamos sob o sol do meio-dia. E eles comem na sombra.

 

Eu, ciente de que, assim como o Brasil, a Tailândia também é um dos países mais desiguais do mundo, reflito: – A cada geração, um novo monarca ainda mais afortunado…

 

O poeta alemão ponderaria: – …Tantas histórias …Quantas perguntas!

E o poeta sírio arrebataria:

– E ainda assim, nós somos os reis do mundo: suas casas estão enterradas em contas e contas. Nossas casas estão enterradas em folhas de outono.

Em seus bolsos eles carregam os endereços de ladrões e traidores. Nos nossos, carregamos os endereços de rios e tempestades.

Eles possuem janelas. Nós possuímos os ventos.

Eles possuem os navios. Nós possuímos as ondas.

Eles possuem as medalhas. Nós possuímos a lama.

Eles possuem as paredes e varandas. Nós possuímos as cordas e os punhais.

E agora amor. Venha, vamos dormir nas calçadas.

 

REFERÊNCIAS:

BRECHT, Bertold. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2003.

HAMDAN, Mas’ud. As sátiras carnavalescas de Muhammad al-Maghut e Durayd Lahham: uma camada moderna de drama popular cômico na tradição árabe. In: Revista de teoria e crítica dramática. XVIII (2). Universidade do Kansas: 141, 2004.

MACEDO, Emiliano Unzer. História da Ásia: uma introdução à sua história moderna e contemporânea. Vitória/ES: Universidade Federal do Espírito Santo, Secretaria de Ensino a Distância, 2016.

WYATT, David. Thailand: a short history. 2ª ed. New Haven: Yale University Press, 2003.

 

 

[1] Professora de História. E-mail para contato: graf_306@hotmail.com

Instagram: @gracielamarciafochi

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Equipe A Gazeta Tresbarrense
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