Os discursos de crescimento ou prosperidade econômica, associados ou realizados por meio demegaprojetos e/ou empreendimentos de infraestrutura, como a construção de grandes barragens para produção de energia, de minerodutos, de ferrovias e a instalação de plantas industriais e outras obras. Tais discursos, têm sido recorrentes e, por vezes, contagiantes, senão, seduzidos por promessas de desenvolvimento econômico no Brasil.
A realidade observada em diversas regiões, no entanto, revela que esses empreendimentos nem sempre atendem às promessas, muito menos às expectativas socieoconômicas esperadas, e nem entregam os resultados propostos à sociedade. Ao invés de impulsionarem verdadeiramente o desenvolvimento socioeconômico local e regional, muitas dessas obras parecem estabelecer dinâmicas de desorganização, desterritorialização e destroçamento das relações sociais de determinado território e de seus entornos, além de gerar negativos impactos socioambientais e a concentração de benefícios econômicos apenas para alguns. Afinal, o que ocorre, é a geração de alguns postos de trabalho, normalmente com baixos salários aos trabalhadores, que são aqueles que de fato operam e produzuem a riqueza.
O desafio não se limita à dimensão técnica das obras, mas envolve, principalmente, a forma como os empreendimentos são concebidos e implementados. Em geral, grandes projetos de empreendimentos são planejados em instânciasdistantes ou exógenos aos territórios escolhidos e/ou afetados, com base em uma lógica econômico-organizacional que tende a reduzir o território a mero fornecedor de ativos ou recursos ambientais a serem explorados, e de mão de obra barata ofererecidas ao capital. Ou ainda, os discursos são de que nos territórios onde são realizados os investimentos, há obstáculos econômicos a serem superados, geração de emprego e renda e promoção do desenvolvimento. Paralelamente, observa-se que, na prática, a instalação de megaempreendimentos exige resultados econômicos rápidos e expressivos,com o foco no lucro do capital, desconsiderando as condições naturais dos ecossistemas e os aspectos sociais das comunidades locais.
As consequências dessa lógica de instalação de megaempreendimentos em determinados territórios podem ser ilustradas por eventos como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, que, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Prefeitura Municipal de Brumadinho (MG), resultou na perda de 272 vidas e na destruição de cerca de 269 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP).
O referido episódio mostrou como a priorização de uma racionalidade produtiva e econômica gera riscos elevados e, inclusive, consequências irreversíveis ao ambiente e às comunidades humanas locais e regionais. Embora casos dessa magnitude sejam extremos, situações semelhantes, em menor escala, se repetem em outros contextos e tipos de empreendimentos, explicando o que alguns pesquisadores denominam “zonas de sacrifício”, onde os impactos e riscos ficam concentrados e localizados, enquanto os benefícios econômicos se restringem para algumas pessoas – os investidores–, que, normalmente, residem em espaços distantes.
A reparação de danos, quando ocorre, tende a evidenciar os limites de uma lógica que busca compensar posteriormente o que poderia ter sido evitado. Mesmo diante de acordos financeiros expressivos, o restabelecimento pleno das condições ambientais e sociais é, frequentemente, insuficiente perante os estragos gerados. Além das perdas materiais e ecológicas, há também impactos subjetivos, como a descontinuidade da vida comunitária, a insegurança e a topofobia, e o comprometimento da saúde mental das populações atingidas, situações estas que dificilmente são incorporados às métricas econômicas tradicionais.
Essas constatações sugerem que o conceito de desenvolvimento econômico precisa ser revisto, de modo a incluir, como condições estruturantes,dimensões antropológicas, sociais e ambientais. Neste sentido, políticas públicas voltadas à ordenação territorial e ao fortalecimento das instâncias locais de decisão poderiam contribuir para reduzir a assimetria entre quem planeja e executa a construção de empreendimentos, dos que se beneficiam, quanto de quem sofre os impactos decorrentes desse processo. Além disso, cabe o acompanhamento dos órgãos públicos de fiscalização, antes, durante e na operação dos empreendimentos.
Sob essa perspectiva, o desenvolvimentodeixaria de ser um resultado meramente econômico e passaria a ser entendido como um processo de equilíbrio entre eficiência produtiva, segurança ambiental e justiça social. Caso contrário, a continuidade do atual modelo de desenvolvimento tende a reproduzir situações de vulnerabilidade e degradação socioambiental, indicando que o território, em diferentes formas, tem expressado os limites dessa inconcebível racionalidade econômica de organização e atuação.
Referências
GLOBO RURAL. Produtores sofrem com água contaminada a 300 km de Brumadinho, onde barragem da Vale se rompeu. G1, 2 jun. 2019. Disponível em: https://tinyurl.com/36dkkn8y. Acesso em: 4 nov. 2025.
IBAMA. Rompimento de barragem da Vale em Brumadinho (MG) destruiu 269,84 hectares. Publicado em 30 jan. 2019. Disponível em: https://tinyurl.com/y93r5zp2. Acesso em: 4 nov. 2025.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BRUMADINHO. Rompimento da barragem. 2025. Disponível em: https://tinyurl.com/yk6vfrm7. Acesso em: 5 nov. 2025.
SANTOS, C. F. dos. Desenvolvimento e meio ambiente: a construção do município de Rio Grande (RS/Brasil) como uma zona de sacrifício. Revista Percursos, [s.l.], v. 19, n. 41, p. 50-78, 2018. Doi:http://dx.doi.org/10.5965/1984724619412018050.
Autores
Willian Dums – Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional; Membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde Coletiva e Meio Ambiente (Nupesc/UNC); Universidade do Contestado (UNC). E-mail: dumswillian54@gmail.com
Jairo Marchesan – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental (UNC); Líder do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente e Sociedade (MAS/UNC) Universidade do Contestado (UNC). E-mail: jairo@unc.br


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