Autores:
Zenici Dreher Herbst[1]
Jairo Marchesan[2]
[1] Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, Universidade do Contestado (UNC), Santa Catarina, Brasil. E-mail: zenicidreher@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7819-3143.
[2] Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente dos Programas de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado, Santa Catarina, Brasil. E-mail: jairo@unc.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9346-0185.
Ao transitar pelas cidades, comumente observa-se pessoas catando caixas de papelão, embalagens plásticas, vidros, ferro e demais itens reutilizáveis ou recicláveis. Tais materiais tornam-se interessantes do ponto de vista financeiro, inclusive para aqueles catadores ou catadoras que, muitas vezes, transitam pelas cidades com uma carrocinha e acompanhados de um cachorro ou com uma bicicleta que até parece um veículo, em razão do volume de materiais que conseguem adaptar, pendurar e carregar.
FOTOGRAFIA 1 – CARROCINHA DE RECICLÁVEIS
Cidade de Canoinhas (SC)
Fonte: Autores (2025).
Os catadores de materiais recicláveis têm a profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego desde 2002 e, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), são trabalhadores da coleta e seleção de material reciclável: os agentes de reciclagem de materiais, catador de ferro-velho, catador de papel e papelão, catador de sucata, catador de vasilhame, coletor de materiais recicláveis, enfardador de sucata (cooperativa). No Livro “A Coleta”, porém, que conta a história de três catadores de material reciclável da cidade de São Paulo, Pedro Vó menciona que “até na época dos reis, já tinha gente catando pra trocar por alguma coisa”, e “quando você era criança, sua mãe devia falar… não vai prá rua, não! Que mais tarde vai passar o homem do saco. Era o catador né!” (Vó, 2023).
Os/as catadores/as desempenham funções essenciais no processo de recolhimento, separação e encaminhamento dos resíduos para a reciclagem. Tais funções convergem diretamente no processo de implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), a qual prevê, como um dos objetivos, a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvem a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Além disso, a referida Política prevê, como um dos instrumentos, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação destes catadores e sua emancipação econômica.
Nesta direção, compete aos administradores públicos municipais a elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), por meio do qual serão priorizados no acesso aos recursos da União os municípios que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda.
A promoção de direitos sociais é pauta nos mais diversos espaços da sociedade, seja por meio de debate, reuniões, conferências e outros. Assim, os direitos dos catadores e catadoras de recicláveis é uma pauta transversal que dialoga com aspectos econômicos, sociais e ambientais. Do ponto de vista global, relaciona-se com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e em âmbito local, vinculam-se às características e interesses da gestão pública municipal.
No relatório da Defensoria Pública da União intitulado “Famílias de catadores(as) de materiais recicláveis no CadÚnico: caracterização e análise multidimensional da pobreza” (Brasil, 2024), foram identificadas 301.734 famílias de catadores(as) com o cadastro atualizado no CadÚnico. As famílias eram compostas por 520.691 pessoas e foram identificadas famílias de catadores(as) em 4.443 municípios brasileiros, contudo, em 3.145 (70,78%) destes municípios não havia o registro de organizações de catadores(as) (Brasil, 2024).
Estima-se que “catadores(as) são responsáveis por 90% do material reciclado no Brasil. Porém, apesar do destacado protagonismo desse grupo de catadores no processo de coleta, separação e encaminhamento para a reciclagem, a maior parte dos(as) catadores(as) encontra-se em contexto de vulnerabilidade social e apenas de 3 a 4% dos resíduos sólidos são reciclados ou reaproveitados.” (Brasil, 2024).
Em setembro de 2025 foram identificadas 491.450 famílias de coletores de materiais recicláveis cadastrados no CadÚnico. Destes, 384.955 famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). No município de Canoinhas (SC), por exemplo, há 32 famílias cadastradas, o que representa mais de 80 pessoas nesta função, além das famílias que não estão cadastradas.
FOTOGRAFIA 2 – CATADOR DE RECICLÁVEIS
Cidade de Canoinhas (SC)
Fonte: Autores (2025).
No Brasil há legislações específicas para a coleta e destinação adequada de resíduos sólidos. Já no Estado de Santa Catarina, mesmo que muitas áreas de destinação dos resíduos sólidos estejam em recuperação, há obrigatoriedade da extinção dos lixões, tecnicamente denominados de vazadouros, monitorados pelo Ministério Público do Estado. A perspectiva, portanto, é que os lixões ou vazadouros sejam substituídos por aterros sanitários devidamente controlados pelos órgãos ambientais.
Nesse sentido, cabe ressaltar o papel fundamental que os catadores e as catadoras de materiais recicláveis exercem nos municípios, em especial nos perímetros urbanos, onde as pessoas produzem, acumulam e descartam tais materiais. Percebe-se, no entanto, que, em sua maioria, os(as) catadores(as) são os principais provedores de suas famílias e que, normalmente, compõem um grupo em situação de vulnerabilidade e de extrema pobreza, além de precárias condições de trabalho.
Além disso, a atuação dos catadores e das catadoras no recolhimento dos materiais recicláveis contribuem significativamente para a redução do volume de tais materiais urbanos, incluindo a triagem, a classificação, a comercialização e a cadeia produtiva do setor de reciclagem. Estas pessoas, portanto, contribuem com a sociedade e com o ambiente, assumindo responsabilidades para um dos problemas urbanos e, paralelamente, na busca da própria sobrevivência. Destaca-se, no entanto, que a organização da coleta seletiva está sob responsabilidade do Poder Executivo Municipal ou de empresas terceirizadas.
Nesta direção, todos estão convidados a contribuir com a separação adequada dos materiais recicláveis e reutilizáveis, pois, procedendo desta forma, colaboram na geração de renda para muitas famílias.
Para além dos recursos financeiros, os catadores e as catadoras necessitam de mais respeito e valorização, bem como, de olhares mais atentos e sensíveis, de orientações e capacitações, de empoderamento para a organização de associações e cooperativas, para que possam superar a informalidade e obter acesso aos direitos que vão além do básico, a exemplo dos direitos trabalhistas e previdenciários.
Neste contexto, cabe apresentar a perspectiva dos 5 Rs – Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar –, que têm por objetivo minimizar os impactos ambientais. Os catadores e as catadoras, muitas vezes invisíveis aos olhos dos gestores públicos e da própria sociedade são, no entanto, aqueles(as) que, de fato, “catam” o excessivo volume de materiais produzidos e largados pela própria sociedade em vias públicas ou em outros locais. Esta atividade torna-se possibilidade de sustento de muitas famílias, que permanecem em situação de vulnerabilidade social e, de forma informal e precária, não conseguem acessar os direitos dignos de um cidadão.
Resumindo, os catadores e catadoras desempenham função social, política, econômica e, sobretudo, ambiental fundamental no processo de organização, atuação, limpeza urbana e de sobrevivência. No Livro “A Coleta”, Pedro Vó (2023) ressalta: “vem construir com os catadores uma inovação social que melhore as condições de trabalho pra todo mundo. É uma cadeia né? Quando você melhora um papel na cadeia, você contribui com tudo”. Por estas e outras, a classe destes trabalhadores merece muito respeito, atenção e contribuição de todos que produzem ou geram produtos recicláveis.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Defensoria Pública da União. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Famílias de catadores(as) de materiais recicláveis no CADÚNICO: caracterização e análise multidimensional da pobreza. Brasília: DPU; PNUD, 2024.
BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 ago. 2010.
BRASIL. Ministério da Cidadania. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). CECAD: Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico. [s.d.]. Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/painel03.phpAcesso em: 19 out. 2025.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Descrição da Ocupação: 6.1.1. Disponível em: https://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf. Acesso em: 22 out. 2025.
VÓ, Pedro. A coleta. São Paulo. Ed. Conrad, 2023.


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